TEXTO SEM SPOILERS
Quando criança, minhas manhãs eram dedicadas a assistir meus desenhos favoritos.
Na passagem para a vida adulta, infelizmente, vamos perdendo esses e outros bons hábitos. Os problemas cotidianos tomam o lugar da inocência e são tantas coisas com as quais nos preocupar... contas a pagar, trabalho a fazer, violência nas ruas, política, atentados terroristas... a leveza deixa de ter lugar em nossas vidas e muitos dos desenhos que nos encantavam perdem seu sentido.
Muitos, mas não todos.
Parte dos desenhos que costumava assistir ganhou ainda mais sentido após meu amadurecimento. Passei a entender melhor o que envolvia suas tramas, os paralelos que traçam com nossa realidade. Passei a chamá-los, inclusive, de "mitologia moderna".
Talvez tenha a ver com minha visão espiritual da vida, mas gosto de pensar em como
Goku precisa aceitar suas trevas antes de evoluir ao estado de
Super Saiyajin... em como o poder de
Seiya tem mais a ver com sua perseverança que com sua armadura de bronze... em como
Bruce tenta transmutar sua raiva absurda para com a violência e a injustiça em um símbolo que representa exatamente o contrário,
ou as vezes não.
Esse "as vezes não" é o que faz com que, desde sempre,
Batman seja um ícone dicotômico de extrema importância em minha vida. Ele busca sua luz em meio as trevas e ele busca
ser a luz em meio as trevas. Nem sempre consegue.
Ele não pode ser todo poderoso e não pode ser de todo o bom - é um ser humano cheio de falhas, como qualquer outro.
Talvez com muito mais dinheiro na conta bancária.
Kal-El, por outro lado, é o todo poderoso e todo benevolente Superman - um ser vindo de um planeta cuja evolução civilizatória estava a anos luz de distância da nossa... um apogeu tão grandioso que o próximo movimento não seria outro, senão o da decadência. Mas, sendo ele todo poderoso, poderia mesmo ser de todo o bom? ;)
Sobre o que era esse texto, mesmo?
Batman vs Superman: A Origem da Justiça traz para as telas um embate que já vimos muitas vezes nos quadrinhos e animações, mas de uma forma nunca antes vista.
O que motivaria uma luta como essa?
Dennis O'Neil teve um palpite, assim como
Frank Miller. Os dois tinham fundos históricos bastante distintos, fundos históricos esses que influenciaram na motivação por trás do embate que colocaria, frente a frente, homem e deus.
A equipe que deu vida ao filme do qual estamos falando o fez de forma a representar nosso fundo histórico atual e talvez por isso tenha me identificado tanto com ele.
"Temendo as descontroladas ações de um super-herói quase Deus, o forte e formidável vigilante de Gotham City assume o papel do reverenciado salvador de Metrópolis, enquanto o mundo discute para decidir qual tipo de herói realmente precisa. E enquanto Batman e Superman estão em guerra, uma nova ameaça surge rapidamente, colocando a humanidade em um perigo nunca antes conhecido."
- Sinopse Oficial
A começar por Superman.
O filme
O Homem de Aço (que deve estar bem vívido em sua mente quando for assistir
BvS) nos apresenta um Superman que é sim
todo poderoso, mas que está longe da perfeição. É mais homem que deus.
Ao mesmo tempo que tem total consciência de seu poder
quase ilimitado - e, tendo sido bem criado como o foi, procura usá-lo em favor de seus semelhantes - ele possui raiva, ressentimentos, mágoas, angústia e age até com certo egoísmo muitas vezes.
Em
BvS veremos um Superman cuja personalidade está fragmentada. Vale mesmo a pena ajudar a raça humana? Ajudar a prolongar a existência de pessoas que agem sempre visando benefício próprio, não importa as custas de quem ou de quê? E não seria, ele mesmo, apenas um reflexo de todos os outros?
Enquanto alguns projetam em Kal-El todas as suas esperanças, outros projetam todas as suas frustrações. É onde entra
Luthor e, sim,
Bruce.
Teria
Bruce conseguido salvar seus pais caso fosse tão poderoso quanto ele? Quem lhe dava o direito de jogar sua impotência (e, consequentemente, a impotência de todos os seres humanos) em sua cara?
E quanto a
Lex com sua magistral genialidade? Superman também lhe jogava na cara alguma impotência?
E qual o principal problema com o poder? Seu excesso, ou o que se faz para consegui-lo?
Trata-se de uma tensão psicológica que vai crescendo durante toda a trama até desencadear num enfrentamento físico. E que enfrentamento!
Além de questões psicológicas referentes aos personagens, também encaramos as questões políticas levantadas por eles - talvez para ocultar essas fraquezas. O que poderia acontecer com a Terra caso esse ser extremamente poderoso resolvesse tomar seu controle? Quem poderia julgar alguém que se encontra acima de toda e qualquer demonstração de poder?
A Opinião
Não fui ao cinema para ver apenas uma luta física entre dois dos mais famosos super-heróis, mas um embate intelectual. Uma luta entre ideais que são extremamente parecidos e distintos ao mesmo tempo. Foi exatamente o que vi durante
todo o filme.
Da primeira vez, sai completamente extasiada da sala de cinema. Carregava comigo uma opinião que contrariava quase toda a crítica especializada, exceto por uma coisa ou outra. Resolvi que, obrigatoriamente, teria que assistir de novo e vê-lo de forma mais imparcial: sai do cinema mais extasiada que da primeira vez.
Todas as atuações estão incríveis, com destaque especial para o Batman do
Ben Affleck e a Mulher-Maravilha maravilhosa da
Gal Gadot. Simplesmente impecáveis!
O Superman de
Henry Cavill continua sendo o meu preferido dentre todos! Ele consegue carregar em seu rosto o peso da responsabilidade que recairia nas costas de um Superman, caso realmente estivesse entre nós.
Por falar em responsabilidade... a aura sombria do filme casa perfeitamente com a proposta! Imagine o medo no coração das pessoas comuns se, de uma hora pra outra, descobríssemos que não estamos sozinhos no Universo nas circunstâncias de uma guerra?
E, puxa, o Luthor do
Jesse Eisenberg me convenceu muito! O ator costuma ser um tanto caricato em seus personagens, mas convence lindamente! Muitos reclamaram de descaracterização, mas o que é descaracterização quando estamos falando em personagens inspirados por HQ's?
Se você for no cinema esperando uma versão canônica, com os personagens agindo exatamente da mesma forma que conhece dos quadrinhos, você irá esperando exatamente o quê? O Superman da Terra 1, da Terra 2, dos Novos 52...?? O Luthor que sequer é vilão, além de ser casado com a Lois? Sabia que até mesmo os quadrinhos são escritos a partir de pontos de vistas diferentes, por pessoas diferentes?
Assim como o
Zeus de uma cultura é o
Júpiter da outra, mesmo que mantendo suas principais características, o Superman de
Jerry Siegel carrega uma visão completamente distinta do Superman de
Geoff Johns - são as mesmas histórias, porém contadas de maneiras diferentes! Enquanto Lex Luthor for um cientista louco cujo principal objetivo de vida é acabar com o Superman, para mim, ele não estará descaracterizado.
O que eu não gostei
Sinceramente, foi difícil escolher coisas das quais gostei menos para listar por aqui...
Eu diria que me desapontou o fato da edição ter
corrido um pouco o filme, para que ficasse com um tempo aceitável. É compreensível, claro, mas a história teria sido melhor aproveitada com meia horinha a mais, ali! (Esse pode ser meu subconsciente falando... eu queria mesmo é que não tivesse acabado ainda).
Os deuses ouviram minhas preces e o Blu-Ray virá com esses 30 minutos a mais! Esperando ansiosamente para tê-lo em minhas mãos, é claro!
Além disso, outros integrantes da furuta Liga foram apresentados de forma um tanto - digamos - sem graça (com exceção do Flash).
Foi só!
Absorta nas questões levantadas pelo filme, esses itens me passaram quase despercebidos...
Resumindo
Eu poderia ter listado uma infinidade de coisas, principalmente relacionadas a forma como interpretei os acontecimentos, mas a intenção desse texto é que não contenha spoilers. Dou apenas uma sugestão: esqueça as críticas negativas, assista e forme sua própria opinião.
Se você faz parte do time que assistiu e não viu sentido no roteiro, achou as motivações fracas, a história pobre e trocentos furos, é certeza que não assistimos o mesmo filme (ao menos não com a mesma motivação). Mas quem é que lê o mesmo livro duas vezes, não?
Só me resta aguardar para saber que males a Liga da Justiça terá que enfrentar nos filmes vindouros... ;)